Políticas de internacionalização da educação superior: contribuições para o contexto sul-sul

Políticas para la internacionalización de la educación superior: contribuciones al contexto sur-sur

policies for the internationalization of higher education: contributions to the south-south context

Marcio Watanabe Andreza Cipriani Marcia Regina Selpa Heinzle



Destaques


Há evidências do fortalecimento da internacionalização no contexto sul-sul nas duas universidades pesquisadas.


O ciclo de políticas pode ser utilizado como uma ferramenta analítica no campo da internacionalização.


Identificaram-se similaridades nas estratégias de internacionalização para a realidade sul global.


Resumo


Trata-se de um estudo comparado de políticas de internacionalização de duas universidades públicas brasileiras: Universidade da Integração Latino-Americana (UNILA) e Universidade Federal do ABC (UFABC). A análise ocorreu por meio do ciclo de políticas de Ball. Ao que tangencia a UNILA, percebeu-se estratégias para a integração regional solidária, marcada pela Cooperação Sul-Sul (CSS). Já para a UFABC, evidenciou-se regulação de capital e controle para atingir os patamares exigidos pelo cenário mundial. Embora as políticas tenham apresentado perspectivas distintas, ambas indicaram estratégias de internacionalização da Educação Superior (ES) para o sul global.

Resumen | Abstract


Palavras-chave

Pesquisa comparada. Educação Superior. Políticas de internacionalização.


Recebido: 16.03.2023

Aceito: 03.07.2023

Publicado: 11.07.2023

DOI: https://doi.org/10.26512/lc29202347602


Introdução


A Educação Superior (ES), no Brasil, vive um momento singular no contexto sócio-histórico e econômico mundial. Frente ao atual processo de globalização, muitos são os desafios e obstáculos que vêm sendo postos às Instituições de Ensino Superior (IES) no que diz respeito às funções de ensino, pesquisa e extensão e à integração com a internacionalização. Neste cenário, estão implícitas demandas de um contexto global, no qual se exige cada vez mais que as universidades repensem seu papel diante da “sociedade do conhecimento” (Morosini, 2014, p. 388).

O conhecimento é fator de produção e geração de riqueza, por meio do qual se adquire centralidade e se mantém tensões preexistentes, decorrentes de posturas transnacionais, regionais e locais. As IES se expandem de maneira acelerada, de forma a admitir universalmente “uma identidade para a educação superior na sociedade” (Morosini, 2014, p. 389). Deste ponto de vista, o aumento das diversas formas de mercantilização da ES tem impactado na qualidade da educação, gerando uma proliferação de universidades corporativas e universidades virtuais pertencentes a grupos de capitais internacionais (Abba & Streck, 2021).

A internacionalização da ES se relaciona ao fenômeno que incide sobre o campo e impõe às instituições sua incorporação através de políticas globais (Pereira & Heinzle, 2017). Assim, a internacionalização constitui um dos mais importantes desafios do novo século, principalmente para as universidades situadas em contextos emergentes, que têm o ethos do desenvolvimento humano e social na globalização (Morosini et al., 2020).

O contexto emergente da ES corresponde a construções observadas em sociedades contemporâneas, as quais “[...] ocupariam um espaço de transição entre um modelo tipo ideal weberiano de educação tradicional e um outro de educação superior neo-liberal” (Morosini, 2014, p. 386). No Brasil, essa conjuntura é marcada pela expansão acelerada, pela diversificação das formas de ensino e por tendências democratizantes, porém centralizadas pelo Estado. Interpelam políticas e práticas, nas quais a relação do Estado com a educação e a internacionalização da ES no país se deve em grande parte pela sua função de delineamento, financiamento e regulação de políticas na área (Lima & Contel, 2009).

Nesse cenário, surge a necessidade de ampliar os olhares sobre a internacionalização da ES, bem como alavancar discussões acerca da construção e da implementação de políticas que apoiem e desenvolvam ações para o processo de internacionalização no Brasil. É neste último aspecto que se encontra o foco e a justificativa deste estudo, dada a importância da análise e implementação das PI voltadas para o contexto sul-sul, visto que fazer pesquisa sobre política educacional é um campo abrangente, complexo e em permanente expansão e consolidação, o que indica que há muito a se discorrer sobre as sinuosidades desse processo.

Partindo desses pressupostos, o objetivo desta investigação foi analisar comparativamente e discutir as políticas relativas à internacionalização de duas universidades públicas brasileiras, a Universidade da Integração Latino-Americana (UNILA) e a Universidade Federal do ABC (UFABC).

Optou-se pela abordagem do ciclo de políticas de Ball et al. (2021), que vem sendo utilizada em diferentes países para analisar políticas educacionais de forma contínua. Esse viés, de caráter metodológico e analítico, propõe que as políticas sejam analisadas como textos e como discursos, considerando os contextos de influência, da produção e da prática, assim como o contexto dos resultados (ou efeitos) e o contexto da estratégia política. Por texto, entende-se que as políticas são representações codificadas, complexas, produtos de múltiplas intenções e negociações. Por discurso, compreende-se que toda política estabelece limites para o que é considerado legítimo, como pensamento e fala, nunca independentes de história, poder e interesses.

Sendo assim, estruturamos o presente artigo em cinco etapas. Na primeira, introdutória, delineamos o objetivo, estabelecemos o lócus de investigação e justificamos a relevância deste estudo. Na segunda, elaboramos um referencial teórico acerca dos marcos da internacionalização, no contexto das políticas públicas, no Brasil. Na terceira, apresentamos os apontamentos metodológicos a fim de delinear a presente pesquisa. Na quarta etapa, demonstramos os resultados a partir da análise comparativa das políticas das duas universidades, com base nos contextos do ciclo de políticas de Ball et al. (2021). Concluímos com a quinta etapa, na qual apontamos as principais características que perpassam pelos documentos comparados.

Internacionalização da Educação Superior: compreensões teóricas


Para iniciar as discussões no campo das políticas comparadas, mais precisamente aquelas relacionadas às políticas de internacionalização, nesta seção, compomos um quadro teórico, embasado em autores de referência no âmbito da ES, que sustentou nossos debates e nos auxiliou na compreensão do fenômeno relacionado à internacionalização da ES na perspectiva sul-sul.

Na literatura, a internacionalização da ES apresenta-se como um fenômeno em constante evolução, com distintas estratégias e abordagens, apoiadas, sobretudo, nas perspectivas voltadas para o intercâmbio acadêmico, no qual os processos de globalização são recorrentes e definidores de padrões de qualidade. Nesse processo, objetiva-se conexões internacionais (físicas e virtuais) que fortaleçam a comunicação, a interação, promovendo, assim, a cooperação internacional entre os principais atores hegemônicos no campo da educação (Abba & Streck, 2021).

Como principal estratégia de internacionalização na ES avançam alguns modelos: a internacionalização em casa, um processo de integração das dimensões internacional e intercultural no currículo formal e informal, para estudantes em ambientes domésticos (Beelen & Jones, 2015), e a internacionalização do currículo, que consiste na incorporação das dimensões internacional, intercultural e/ou global no conteúdo do currículo (Leask, 2015). Já a principal abordagem de internacionalização da ES é a internacionalização transfronteiriça, mais conhecida como mobilidade ou intercâmbio acadêmico, podendo ser no sentido sul-norte ou norte-sul (Morosini, 2019).

Sobre este último aspecto, apesar de ressaltada a importância da internacionalização sul-norte pelo “conhecimento acumulado nos países desenvolvidos” (Morosini, 2011, p. 108), com indicadores produzidos por e para uma realidade sócio-histórica desenvolvida, verifica-se que o processo de internacionalização vem ocorrendo em diferentes contextos, com potencialidades e perspectivas de crescimento, principalmente para o sul global. Nesse sentido, apresenta-se a internacionalização sul-sul, a qual pode contribuir para o fortalecimento dos países em contextos emergentes, como o caso do Brasil, diante da transnacionalização da ES.

No cenário transnacional, a internacionalização é posta como mercadoria educacional, defendida pela Organização Mundial do Comércio (OMC), no âmbito do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços, podendo ser compreendida como transnacionalização da ES (Dias Sobrinho, 2018), ou seja, configurada como comércio de serviços. Diferentemente, a internacionalização sul-sul está fundamentada em conceitos da Cooperação Sul-Sul (CSS) e da Cooperação Internacional Horizontal (CIH), isto é, na “[...] consciência internacional e no fortalecimento da capacidade científica endógena dos parceiros mais fragilizados” (Morosini, 2011, p. 96).

De acordo com Machado e Moraes (2021), com o objetivo de se fortalecer, os países do sul buscaram a consolidação de sua posição diante dos países desenvolvidos, ou seja, as tradicionais relações norte-sul. Nesse contexto, tornaram-se potências emergentes, de renda média, que começam a participar qualitativamente do sistema de cooperação internacional. No caso do Brasil, este processo conciliou a redemocratização do país como uma forma de reforçar seus laços com a América Latina e com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Segundo Silva (2019), a inserção do Brasil no eixo da CSS remonta a década de 1980, quando, com objetivos estratégicos, se adotou uma nova política externa, da qual resultou seu reposicionamento no cenário internacional, sobretudo em suas relações com os países periféricos e semiperiféricos.

A CSS desponta como um “[…] mecanismo inovador de interdependência para minimizar os riscos gerados pela globalização e fazer melhor uso das oportunidades que surgem. Isso ocorre pelo papel que alguns países em desenvolvimento passam a assumir na nova geopolítica mundial” (Silva, 2019, p. 208). Assim, procuram se inserir na nova visão do desenvolvimento econômico dos países à margem do centro e assegurar uma inclusão diferenciada de alguns países do sul com os países desenvolvidos.

O Brasil é um país que tem tradição em processos de internacionalização, entretanto, numa posição dependente de programas, principalmente na mobilidade estudantil, tendo em vista que, “[...] na sua gênese histórica, foi o processo de integração e cooperação que permitiu a evolução desse nível de ensino, essencialmente na pós-graduação” (Silva, 2019, p. 210).

Neste sentido, explicita-se a necessidade de que as IES avancem no sentido conceitual da internacionalização, de suas motivações e razões de sua implementação, assim como a adoção de uma Política de Internacionalização (PI), voltada para “[...] elementos de sinergia entre o ensino, a pesquisa e a extensão, reconhecendo as potencialidades do país de origem e dos países parceiros nos processos de cooperação internacional” (Morosini & Corte, 2018, p. 114).

De maneira geral, dentre as estratégias institucionais para desencadear e qualificar a internacionalização da ES, ainda impera a mobilidade acadêmica, seja em relação ao norte global, na perspectiva mobility out, seja em detrimento do sul global, no sentido da mobility in, principalmente pelo envio de estudantes de países do hemisfério sul, como o Brasil, para o norte. Morosini e Corte (2018, p. 102) ressaltam que, no Brasil, existe um quadro expressivo de expansão da internacionalização relacionado ao “[...] alargamento de fronteiras transnacionais; o crescimento e a diversificação da pós-graduação em especial quanto à cooperação internacional pela formação de redes trabalho e de pesquisa internacionais e; a integração regional”. Todos esses elementos são permeados pela mobilidade acadêmica que caracteriza a internacionalização universitária nos países do hemisfério sul.

Entende-se que, para atender a demanda global posta para a ES na contemporaneidade, é necessário qualificação profissional, tanto para quanto por meio da pesquisa (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [UNESCO], 2020). Assim, de acordo com Baranzeli (2021), compreender qual o modelo de universidade se busca para o futuro e como a internacionalização da ES contribui nesse processo é de suma importância, tanto para instituições do norte global como do sul global.

Cunha (2017) destaca que as reflexões políticas e posições epistemológicas incidem sobre os currículos e as práticas que se desenvolvem nas universidades, as quais relacionam-se inevitavelmente com as políticas de internacionalização da ES. Nesta conjuntura, a internacionalização apresenta-se como estratégia de desenvolvimento de relações políticas e econômicas, com a finalidade de consolidar o Brasil enquanto potência emergente no cenário internacional.

Oliveira (2020) enfatiza que a internacionalização é uma dimensão da avaliação utilizada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) como forma de regulação e controle, e tem como finalidade ajustar o conhecimento produzido na ES brasileira a um novo patamar exigido pelo cenário mundial. Neste sentido, as políticas de internacionalização são focadas em ações de cooperação internacional, o que gera uma concorrência desigual entre os pesquisadores das diferentes regiões do Brasil, em especial, da região Nordeste, onde o ensino superior ainda se encontra em processo de expansão e de consolidação na maioria dos estados.

Embora o Brasil se insira no contexto da internacionalização da ES de maneira embrionária, de acordo com Morosini (2021), a perspectiva da internacionalização para a integração regional solidária é encontrada no discurso latino-americano, sendo marcada pela direção sul-sul e com ênfase na integração regional. Entretanto, as políticas de internacionalização da ES no Brasil não vêm considerando prioritária a perspectiva latino-americana, tendo em vista, ainda majoritariamente, o processo de internacionalização refletido no posicionamento dominante global. Insere-se, aqui, a importância de compreender os caminhos e as estratégias de internacionalização que vêm sendo adotadas para o sul global a partir da análise da PI das IES situadas nestes contextos.

Percurso metodológico


Este estudo, de abordagem qualitativa, caracteriza-se como uma pesquisa documental, pois tem o intuito de examinar e compreender o teor de documentos dos mais variados tipos e, deles, obter as mais significativas informações (Lima Junior et al., 2021). No que se refere ao objetivo proposto, ele possui caráter exploratório e descritivo (Gil, 2008). O caráter exploratório justifica-se especificamente pela questão de pesquisa, a qual detém a necessidade de identificação de concepções que fundamentam as políticas institucionais de internacionalização. Já os esforços descritivos visaram a sistematização e o reconhecimento do material analisado, suscitando reflexões e discussões dos contextos envolvidos nesses documentos.

Enquanto método analítico, nos pautamos no ciclo de políticas de Ball et al. (2021). Essa abordagem é muito difundida no Brasil por sua contribuição como referencial teórico-analítico para o campo das políticas educacionais, uma vez que se destaca pela vigilância epistemológica e pela orientação metodológica eficaz. Além disso, oferece uma estrutura conceitual que inclui, a partir dos contextos de influência, produção e prática, do contexto dos resultados e do contexto da estratégia, reflexões sobre aspectos contextuais, históricos, discursivos e interpretativos dos documentos analisados (Mainardes & Ball, 2022).

Por meio da análise do contexto de influência, Ball instiga a identificar onde a política inicia, os atores envolvidos, os discursos produzidos, seus princípios básicos, as relações de poder e os interesses em jogo, os conflitos e as lutas empreendidas em sua formulação. Com base no contexto da produção, propõe identificar, nos documentos oficiais e legais, os componentes político-ideológicos, os sujeitos, as instituições e as redes de influência envolvidas na produção dos textos. O contexto da prática envolve especificamente o lócus em que ocorre a política. Já o contexto dos resultados ou efeitos preocupa-se com questões de justiça, de igualdade e de liberdade individual. Por fim, o contexto da estratégia política envolve a identificação de um conjunto de atividades sociais e políticas que seriam necessárias para lidar com as desigualdades criadas ou reproduzidas pela política investigada (Mainardes, 2018).

Cabe justificar ainda que, para fins de escolha das IES, o presente estudo levou em consideração alguns critérios de seleção decorrentes de pressupostos da internacionalização no contexto do sul-sul, pautados pelos seguintes questionamentos: a) As políticas de internacionalização apresentam diretrizes e procedimentos para o acolhimento de estudantes da América-Latina e Caribe? b) As políticas de internacionalização priorizam acordos de CSS de modo que os países emergentes estabeleçam uma relação horizontal pautada na solidariedade e no fortalecimento? c) A PI das IES estão dentro do prazo estipulado de validade? Os documentos estão acessíveis nos endereços eletrônicos das IES? d) A IES é uma das universidades federais dentro da perspectiva de expansão, interiorização e internacionalização preconizadas pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI)?

Assim sendo, foram selecionadas duas IES, UNILA e UFABC, que apresentam respostas afirmativas para todos os critérios/questionamentos mencionados anteriormente, com os respectivos documentos e o período de vigência, Política de Internacionalização (PI) (2019-?)1 e Plano de Institucional de Internacionalização (PII) (2018-2023).

Levando em consideração os contextos analisados, denotou-se a elucidação das similaridades e singularidades de ambos os documentos, sob a análise crítica da trajetória de cada PI desde sua concepção até a sua implementação, alinhados aos conceitos de estudos comparados em contextos educativos (Lourenço Filho, 2004).

No que se refere aos estudos comparados, Lourenço Filho (2004) aponta para um conjunto de princípios lógicos que orienta o trabalho, pautado em diferentes perspectivas, dentre as quais se destacam três: a perspectiva histórica, a perspectiva sociocultural e a perspectiva de rendimento, ou eficiência. Enfatiza-se que as três perspectivas citadas anteriormente estão em consonância com os contextos educativos de Ball et al. (2021), como, por exemplo, a perspectiva histórica, que se faz presente no contexto de influência; a perspectiva sociocultural, plenamente integrada ao contexto de produção das políticas; e a perspectiva de rendimento ou eficiência, contemplada no contexto dos resultados. Tais sinalizações denotam a articulação dos contextos de Ball et al. (2021) e os princípios dos estudos comparados em educação de Lourenço Filho (2004), para fins de análise das convergências e divergências das políticas analisadas.

No sentido de ampliar a compreensão do referencial analítico, foram utilizadas algumas questões propostas por Mainardes (2006) a fim de orientar a aplicação da abordagem do ciclo de políticas nos documentos selecionados. Tais questões compõem o conteúdo da próxima seção e representam a análise comparada dos documentos, dividida em cinco seções. A primeira refere-se ao contexto de influência: inclusão social, internacionalização atrelada ao ensino, pesquisa e extensão, e acordos de cooperação multilaterais; a segunda, ao contexto da produção do texto: participação ativa dos profissionais envolvidos; a terceira, ao contexto da prática: perspectivas de avaliação e monitoramento; a quarta, ao contexto dos resultados: impacto e qualidade de ensino; e, por fim, a quinta diz respeito ao contexto da estratégia: ampliação das práticas de inclusão social.

Resultados e discussão


No que diz respeito ao contexto de influência, foram levadas em consideração para análise dos documentos as seguintes questões propostas por Mainardes (2006): 1) Quais são as influências e tendências presentes na política investigada? 2) Há influências globais/internacionais? 3) Há influências nacionais e locais?

Diante de tais questionamentos, no processo analítico, encontramos similaridades nas duas políticas de internacionalização, que apontaram para inclusão social, internacionalização atrelada ao ensino, pesquisa e extensão, e acordos de cooperação multilaterais. Tais constatações podem ser observadas na PI da UNILA, que apresenta a seguinte citação: “A UNILA caracterizará sua atuação nas regiões de fronteira, com vocação para o intercâmbio acadêmico e a cooperação solidária com países integrantes do Mercosul e com os demais países da América Latina” (UNILA, 2019, p. 3). Ainda, de acordo com o excerto abaixo:

[…] o objetivo deste documento é estabelecer uma política de internacionalização solidária e horizontal para a UNILA, que considere seu compromisso com as demandas sócio-históricas, além de sua inserção local e regional, consolidando, assim, as diretrizes matriciais da instituição: a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, confluentes com a pluriculturalidade, o bilinguismo e a interdisciplinaridade, que são os três pilares da nossa universidade. (UNILA, 2019, p. 3)

Já na PII da UFABC, observa-se os seguintes excertos: “[...] promover o avanço do conhecimento através de ações de ensino, pesquisa e extensão, tendo como fundamentos básicos a interdisciplinaridade, a excelência e a inclusão social” (UFABC, 2018, p. 2); “[...] o objetivo principal é que a internacionalização, uma vez inserida de forma ampla na universidade, divulgada e vivenciada pela comunidade acadêmica, permita à UFABC tornar-se referência internacional na pesquisa, no ensino e na extensão” (UFABC, 2018, p. 6); e “[...] estabelecer políticas de cooperação internacional da universidade com instituições do exterior, por meio de programas de intercâmbio de alunos e colaboração em pesquisas de âmbito multilateral” (UFABC, 2018, p. 3).

Nota-se que as IES analisadas estão avançando no sentido do reconhecimento das potencialidades do país de origem, de modo endógeno, e dos países parceiros nos processos de cooperação internacional, além de buscarem elementos de sinergia entre o ensino, a pesquisa e a extensão. Tais achados da pesquisa corroboram com as referências teóricas de Morosini e Corte (2018).

Neste sentido, as questões referentes às similaridades, em ambos os documentos, demonstram que o processo de internacionalização vem ocorrendo em diferentes contextos, com potencialidades e perspectivas de crescimento, principalmente para o sul global. Sendo assim, além da “[...] solidariedade inerente às relações entre países em desenvolvimento, estes movimentos têm a potencialidade de exercer um papel de auxílio à construção de uma identidade local e ao desenvolvimento socioeconômico” (Morosini, 2014, p. 398), podendo contribuir para o fortalecimento dos países localizados em contextos emergentes, como o Brasil.

No que tange às singularidades das instituições, nos chama atenção movimentos distintos, como o da UNILA, com uma proposta ímpar e articulada com diferentes personagens, contextos e realidades, como se pode observar nos trechos a seguir:

[…] a UNILA deve promover um processo de internacionalização próprio, solidário e horizontal e cuja base esteja previamente elaborada através da interseccionalidade entre os âmbitos que compõem sua realidade específica, a saber: Documentos Fundacionais da UNILA; Comunidade Acadêmica; Localização de Fronteira; e Bilinguismo e Diversidade Linguística. [...] A política de internacionalização da UNILA, por sua vez, entende a fronteira não apenas como ponto de chegada ou partida, mas como espaço de trânsito fluido e de atuação pedagógica diferenciada, que considera a região trinacional como espaço de atuação acadêmica de ensino, pesquisa e extensão, portanto, transfronteiriça. (UNILA, 2019, pp. 4-5)

Em contrapartida, a UFABC prioriza a mobilidade acadêmica de entrada e saída, bem como a performance e os rankings de internacionalização, como se pode notar nos trechos a seguir: “Uma característica importante do modelo proposto [pela UFABC] é o estímulo à mobilidade dos estudantes nos dois sentidos, de dentro da Universidade Federal do ABC para outra Universidade e de outras Universidades conveniadas para a Universidade do ABC” (UFABC, 2018, p. 2); além do “[...] compromisso da UFABC com a excelência acadêmica e a busca pela liderança na produção de conhecimento em nível mundial” (UFABC, 2018, p. 4); e de “[...] permitir que a UFABC melhore sua colocação nos rankings que mensuram a internacionalização” (UFABC, 2018, p. 8).

Podemos compreender, portanto, à luz das bases teóricas, que a UNILA busca uma internacionalização desvinculada, menos dependente do norte global e da herança eurocentrada, uma vez que ela prioriza a integração regional solidária no âmbito dos países latino-americanos. Em relação à UFABC, denota-se o alinhamento com os sistemas de avaliação, regulação e controle, ajustado às exigências do cenário mundial. Além disso, notoriamente, destaca-se a importância dada à mobilidade acadêmica nos processos de internacionalização. Entretanto, destaca-se a estratégia institucional de fomentar a mobility in na perspectiva de receber estudantes oriundos de outros países, o que configura, para Morosini e Corte (2018, p. 102), um quadro expressivo de expansão da internacionalização relacionado ao alargamento de fronteiras transnacionais.

No tocante ao contexto da produção do texto, foram utilizadas para análise as seguintes questões propostas por Mainardes (2006): 1) Quais são os grupos de interesse representados no processo de produção do texto da política? 2) Quais são os grupos excluídos? 3) Houve espaço para a participação ativa dos profissionais envolvidos na construção dos textos? 4) Como o texto (ou os textos) da política foi (foram) construído(s)? 5) Quais as vozes “presentes” e “ausentes”?

Diante de tais inquietações, denota-se as especificidades das IES no quesito grupos de interesse representados pela política. A UNILA enfatiza a internacionalização solidária por meio da cooperação e integração sul-sul, principalmente na perspectiva de acolhimento e atendimento à diversidade local e regional, bem como na inclusão das minorias. Tais constatações podem ser notadas nas seguintes práticas: quando “[...] metade do quantitativo de vagas dos cursos de graduação é destinada a estudantes internacionais. Aproximadamente 30% dos nossos docentes também são internacionais” (UNILA, 2019, p. 4); para “formar recursos humanos aptos a contribuir com a integração latino-americana, com o desenvolvimento regional e com o intercâmbio cultural, científico e educacional da América Latina, especialmente no Mercado Comum do Sul – Mercosul” (UNILA, 2019, p. 3); ainda, conforme o excerto a seguir:

[…] por meio de políticas de inserção de minorias, como a do Processo Seletivo Internacional (PSI), que, para o ingresso em 2019, incluiu as comunidades indígenas por meio de políticas afirmativas, assim como instituiu dois programas específicos: seleção de indígenas aldeados e seleção de refugiados ou portadores de visto humanitário. (UNILA, 2019, p. 5)

A UFABC, por sua vez, prioriza uma política orientada para os grupos de estudantes matriculados, servidores, terceirizados e estrangeiros, na expectativa de torná-la uma universidade de classe mundial. Isso fica evidente nos seguintes trechos: “[...] para que ocorra a internacionalização da Universidade, será não só preparar os alunos e servidores da instituição, mas também preparar a universidade para receber os alunos do exterior” (UFABC, 2018, p. 3); “[...] preparação linguística do seu corpo discente, docente, técnico-administrativo e terceirizados” (UFABC, 2018, p. 20); e “As três características das universidades de classe mundial (talentos, recursos e governança) são discutidas no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) no contexto da UFABC. O PDI direciona as ações da universidade para torná-la de classe mundial, atribuindo grande importância à excelência acadêmica” (UFABC, 2018, p. 3).

Ainda no contexto da produção do texto, especificamente, acerca dos espaços para a participação ativa dos profissionais envolvidos na construção do texto, observa-se similaridades, pois ambas IES recorreram aos documentos institucionais já existentes para fundamentar as escolhas políticas. Entretanto, enquanto singularidades, a UNILA promoveu consulta de âmbito internacional, bem como consulta à comunidade acadêmica, levando em consideração a localização de fronteira, o bilinguismo e a diversidade linguística. Já a UFABC promoveu consulta interna, a partir da constituição de um grupo formado por membros representantes da Assessoria de Relações Internacionais, bem como representantes das pró-reitorias acadêmicas (graduação, extensão e pós-graduação), além de coordenadores de cursos de graduação e pós-graduação.

Em face às discussões dos dados gerados acima, de acordo com Morosini (2021), novamente, evidencia-se, na UNILA, uma perspectiva de internacionalização para a integração regional solidária, marcada pela CSS e com ênfase na integração regional. Esse posicionamento fica mais saliente no excerto a seguir: “[...] entendemos que os modelos de internacionalização hegemônicos – que outorgam às Instituições de Ensino Superior um valor econômico em detrimento de um valor social – não respondem ou atendem às demandas específicas, locais e regionais da UNILA” (UNILA, 2019, p. 3).

Em contrapartida, de acordo com Cruz e Eichler (2021), a ES encontra-se em constante tensionamento com as demandas do capital, assim sendo, denota-se, na UFABC, fortes traços desse alinhamento com as exigências do capital. Além disso, observa-se tendências de regulação e controle para atingir os patamares exigidos pelo cenário mundial, constatações que corroboram com Oliveira (2020). Neste sentido, evidencia-se em sua política uma tendência de regulação e controle, a qual tem como finalidade ajustar o conhecimento produzido na ES, no Brasil, a um novo patamar exigido pelo cenário mundial.

Com relação ao contexto da prática, as questões de Mainardes (2006) orientadoras da análise foram: 1) Como está sendo implementada? 2) Há mudanças, alterações e adaptações do texto da política para a concretização da política?

Ao que se refere aos desafios de implementação da política, bem como as dificuldades, resistências, conflitos e divergências, observou-se a manifestação de poucas evidências nos documentos de ambas IES. Contudo, a UFABC sinaliza que o contexto da prática possa exercer influência no contexto da produção de texto quando menciona em seu documento: “O Plano Institucional de Internacionalização aqui proposto passará por um processo de avaliação anual, com a finalidade de se verificar o andamento das atividades e o cumprimento dos objetivos propostos” (UFABC, 2018, p. 20).

Dessa forma, constata-se que a implementação da política da UFABC é avaliada periodicamente com a finalidade de acompanhamento e cumprimento dos objetivos propostos. Já na UNILA, enfatiza-se o permanente diálogo com a comunidade acadêmica no sentido da elaboração e discussão de práticas e procedimentos para consolidação da PI, como pode ser observado nas citações a seguir: “[...] para a realização do Plano de Internacionalização Quinquenal (PIQ), o qual, de forma participativa, fortalecerá a missão institucional da UNILA e estabelecerá ações, metas, parceiros e prazos de execução” (UNILA, 2019, p. 6) e “[...] sensibilização da comunidade acadêmica para a importância da internacionalização da universidade.” (UNILA, 2019, p. 6). Ademais, de acordo com o excerto abaixo, verifica-se que

[…] a Comissão de Implantação da UNILA encaminhou uma consulta de âmbito internacional, com especialistas de várias áreas do conhecimento, sobre questões estratégicas, a fim de contribuir para a construção do projeto da universidade. Segundo o documento publicado sobre essa consulta (IMEA, 2009), essa foi a primeira exposição da UNILA no plano internacional, produzindo efeitos relevantes quanto ao compartilhamento de reflexões e propostas diversas dos especialistas envolvidos. (UNILA, 2019, p. 4)

Revela-se que ambas IES estão comprometidas com a implementação das políticas de internacionalização, principalmente na avaliação e no monitoramento a partir de canais abertos de interlocução, ainda que tais sinalizações denotem que as IES estão continuamente atentas para a construção de um modelo de internacionalização da ES e cientes das contribuições advindas desse processo.

No que concerne ao contexto dos resultados das políticas, as principais questões de Mainardes (2006) foram: 1) Qual o impacto da política para os alunos (ou receptores da política) em geral? 2) Qual o impacto da política para grupos específicos, tais como classe social, gênero, raça/etnia, localidade, características pessoais dos alunos, ritmos de aprendizagem, pessoas portadoras de necessidades especiais? 3) Até que ponto a política contribuiu para a elevação dos padrões de acesso, oportunidades e justiça social?

Sobre a análise destes enfoques, a UNILA apresenta algumas singularidades no que diz respeito à elevação dos padrões de acesso, oportunidades e justiça social, uma vez que enfatiza sua vocação para o acolhimento e a recepção das minorias, como pode ser notado no excerto a seguir:

[…] a UNILA vem implementando, através das distintas esferas supracitadas, a internacionalização horizontal e solidária, seja através de pesquisas que pensem as problemáticas latino-americanas, seja por meio de políticas de inserção de minorias, como a do Processo Seletivo Internacional (PSI), que, para o ingresso em 2019, incluiu as comunidades indígenas por meio de políticas afirmativas, assim como instituiu dois programas específicos: seleção de indígenas aldeados e seleção de refugiados ou portadores de visto humanitário. (UNILA, 2019, p. 5)

Outra especificidade relativa aos efeitos dessa política diz respeito à ampliação do número de vagas de estudantes internacionais garantidas em edital, bem como a oferta, a cada ano, para um número maior de nacionalidades dos estudantes, conforme consta nos trechos a seguir: “[...] os editais de ingresso de estudantes internacionais previam o ingresso de estudantes de 19 países. Em 2018, foi publicado o edital de seleção para ingresso em 2019, em que o número de países foi ampliado para 32”; “Anualmente, metade do quantitativo de vagas dos cursos de graduação é destinada a estudantes internacionais” (UNILA, 2019, p. 3).

A UFABC, por sua vez, reforça sua característica, pautada em sua singularidade, a qual é orientada para a mobilidade acadêmica, quando se enuncia: “A UFABC participou ativamente do Programa Ciência sem Fronteiras, tendo enviado 1341 alunos a diferentes países como Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e Canadá” (UFABC, 2018, p. 3). O posicionamento das IES frente às demandas científicas, socioculturais, políticas e econômicas da globalização revela a falta de uma concepção mais ampla de internacionalização. Nesse sentido, as metas e estratégias observadas nos documentos indicam ênfase nas estratégias de ação voltadas ao intercâmbio acadêmico-científico.

Por fim, no que se refere ao contexto das estratégias das políticas, as questões de Mainardes (2006) foram as seguintes: 1) Há desigualdades criadas ou reproduzidas pela política? Quais são as evidências disso? 2) Que estratégias (gerais e específicas) poderiam ser delineadas para lidar com as desigualdades identificadas?

A UNILA dispõe de singularidades orientadas para o fortalecimento das pedagogias críticas, de projetos alternativos para a educação das classes minoritárias e para democratização do acesso, permanência e êxito dos estudantes. Tais sinalizações estão expressas nos fragmentos a seguir: “Em termos de América Latina (AL) – local de fala deste documento –, a desigualdade social apresenta-se como uma de suas problemáticas centrais, e a superação deste cenário incide sobre um dos elementos mais sensíveis da região: a educação” (UNILA, 2019, p. 3); e

A diversidade de culturas e de idiomas presente num espaço universitário – e para além dele –, onde estudantes de mais de 19 nacionalidades convivem transformam as salas de aula da Universidade, seus projetos de pesquisa e extensão, o cotidiano institucional e outros espaços que permeiam a realidade universitária, em ambientes profundamente atravessados pela potencialidade criativa advinda destas relações interculturais. (UNILA, 2019, p. 3)

Por outro lado, esse cenário impõe desafios investigativos e pedagógicos que exigem a criação de políticas específicas de atuação para esta realidade. Assim sendo, a UNILA parte do pressuposto de que “[...] a regionalização da produção do conhecimento constitui nada mais do que a construção coletiva de um saber regional – pensado ‘desde’ aqui e para aqui – que nos permita enfrentar, de forma crítica, os desafios que se apresentam às sociedades” (UNILA, 2019, p. 2); “[...] o papel social da educação como direito universal e democrático sob obrigação e garantia do Estado, gerando processos de ensino, pesquisa e extensão que contribuem com conhecimentos para lograr profundas transformações na sociedade” (UNILA, 2019, p. 3); e “[...] o compromisso e a função social que devem caracterizar as instituições públicas de ensino, considerando o contexto, bem como a sua realidade de inserção” (UNILA, 2019, p. 3).

Outro aspecto importante observado na UNILA diz respeito a um ponto crucial: a “efetividade da missão institucional é o cuidado com o egresso” (UNILA, 2019, p. 5). De acordo com a sua política, entende-se que “[...] tão importante quanto o ingresso é a saída e inserção destes estudantes no mercado de trabalho em seus países de origem” (UNILA, 2019, p. 5), para isso buscam “[...] medidas de cooperação para a revalidação dos diplomas nos países parceiros” (UNILA, 2019, p. 5) e, ainda, “[...] um modelo integracionista ampliado em relação ao modelo tradicionalmente conhecido de integração pelas vias econômicas, uma vez que está pautada em uma visão horizontal e solidária, confluente com os princípios que regem as relações internacionais do Brasil” (UNILA, 2019, p. 4).

Portanto, fica evidente, no texto da política da UNILA, a estratégia de internacionalização voltada para construção de uma identidade local e para o desenvolvimento socioeconômico, ao mesmo tempo que se promove o fortalecimento dos países vizinhos parceiros em contextos emergentes (Morosini, 2014) e a integração regional solidária numa perspectiva sul-sul (Morosini, 2021). Por conseguinte, o estabelecimento de relações internacionais horizontais no cenário da ES propicia a superação das desigualdades e se aproxima de condições mais igualitárias, minimizando as diferenças radicais de realidades sociais, visíveis e invisíveis, conforme os apontamentos de Santos (2007).

A UFABC, por sua vez, no que diz respeito ao contexto das estratégias das políticas, apresenta especificidades para lidar com as desigualdades criadas ou reproduzidas pela própria política. Tais estratégias estão presentes nos trechos a seguir: “Cursos de Idiomas Estrangeiros (Inglês, Espanhol, Francês, Italiano) têm sido regularmente oferecidos não somente para alunos de graduação, mas também para docentes e técnicos administrativos” (UFABC, 2018, p. 4); “[...] passou a conter sinalização em português, Braile e em inglês nas placas internas e externas do campus” (UFABC, 2018, p. 5). Ainda, conforme os excertos abaixo:

A estratégia de ‘internacionalização em casa’ também merece destaque. Desde maio de 2015 são oferecidas turmas em inglês para os estudantes da UFABC, que aproveitam a oportunidade para aprimorar o domínio do idioma, e ao mesmo tempo se familiarizar com as terminologias acadêmicas; […] todas as disciplinas obrigatórias dos Bacharelados Interdisciplinares (únicos cursos de ingresso da UFABC) podem ser cursadas em inglês, totalizando 25 disciplinas e mais de 2500 alunos beneficiados. A iniciativa também beneficia docentes, estrangeiros ou não, que podem praticar a docência neste idioma. Atividades como o COIL (Collaborative Online International Learning) já têm ocorrido, possibilitando a troca de conhecimento entre alunos de graduação e docentes e estudantes de diferentes países. (UFABC, 2018, p. 4)

Desse modo, os apontamentos anteriores sinalizam que a PII da UFABC adota como estratégia os modelos de internacionalização em casa (Beelen & Jones, 2015); fortemente a internacionalização transfronteiriça ou comumente conhecida como mobilidade acadêmica (Morosini, 2019); e a internacionalização do currículo (Leask, 2015), principalmente em função dos diversos programas linguísticos.

Mediante análise comparativa da PI das duas instituições, destaca-se, como ponto em comum, ou seja, apresenta-se como similaridade, as diversas estratégias para ampliação das práticas de inclusão social, o que, segundo Cunha (2017), é fruto das reflexões políticas e posições epistemológicas que incidem sobre os currículos e as práticas que se desenvolvem nas universidades.

Considerações finais


Ao compararmos duas políticas institucionais, buscamos destacar as singularidades presentes em cada documento. Corroboramos com Gacel e Ávila (2008) no sentido de que o processo de internacionalização deve se construir e se desenvolver a partir de cada contexto e de cada sistema educacional, com suas forças e fragilidades, que determinam o potencial e a viabilidade de suas estratégias.

Como principais resultados de análise, no que tange ao contexto de influência, a análise comparada permitiu identificar algumas similaridades entre ambas as políticas, como inclusão social, internacionalização atrelada ao ensino, pesquisa e extensão, e acordos de cooperação multilaterais. Em relação às especificidades, ou seja, às singularidades de cada IES, percebeu-se que a UNILA está articulada com diferentes personagens, contextos e realidades, enquanto a UFABC possui uma perspectiva voltada para a mobilidade acadêmica.

Quanto ao contexto da produção, notou-se que ambas IES recorreram aos documentos institucionais já existentes para fundamentar as escolhas políticas. Contudo, a UNILA prioriza as relações externas, levando em consideração os interesses dos parceiros de fronteira, enquanto a UFABC leva em consideração somente atores internos participantes do processo.

No que se refere ao contexto da prática, apesar de serem identificadas poucas evidências, verificou-se similaridades no que diz respeito a ambas estarem comprometidas com a implementação das políticas, principalmente na avaliação e no monitoramento a partir de canais abertos de interlocução. Quanto às especificidades, a UNILA destaca possuir permanente diálogo com a comunidade acadêmica no sentido da elaboração e discussão de práticas e procedimentos para consolidação da PII, ao passo que a UFABC apenas sinaliza que o contexto da prática pode exercer influência no contexto da produção de texto.

Em relação às similaridades aos contextos dos resultados e das estratégias, manifestam-se poucas evidências nos documentos de ambas IES em relação às dificuldades, resistências, conflitos e divergências. Em uma análise geral, direcionada especificamente à UNILA, percebeu-se uma perspectiva de internacionalização para a integração regional solidária, marcada pela CSS e com ênfase na integração regional. Em contrapartida, em relação à UFABC, notou-se uma ênfase nas tendências de regulação e controle para atingir os patamares exigidos pelo cenário mundial.

A análise comparativa da PI das instituições apontou caminhos distintos a serem trilhados. Entretanto, alertamos que a pesquisa documental responde somente a algumas questões, o que indica a necessidade de ouvir os atores sociais engajados no processo de internacionalização para aprofundar as recontextualizações e interpelações, principalmente no que se refere ao contexto da prática. Assim, através dos resultados, ficou evidenciado que, embora as duas políticas apresentem perspectivas divergentes com interesses distintos, ambas apontam caminhos e estratégias de internacionalização da ES para o sul global.

Estudos como este podem suscitar reflexões sobre as ideologias políticas, sociais e econômicas no campo da ES, ampliando o debate em nível global, nacional e regional. Ainda, podem contribuir para a melhoria e o aprimoramento dos processos institucionais de internacionalização a partir de um olhar mais amplo para a internacionalização, identificando pontos de similaridades (aproximações) e singularidades (distanciamentos) partindo do contexto sul global.

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Sobre os autores


Marcio Watanabe


Instituto Federal de Santa Catarina, Gaspar, SC, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-5747-9820


Mestre em Ensino de Ciências pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2010). Doutorando em Educação pela Fundação Universidade Regional de Blumenau. Docente do Instituto Federal de Santa Catarina. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Superior. E-mail: marcio.watanabe@ifsc.edu.br


Andreza Cipriani


Fundação Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, SC, Brasil

https://orcid.org/0000-0001-6462-1509


Mestre em Química pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (2016). Doutoranda em Educação pela Fundação Universidade Regional de Blumenau. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Superior. E-mail: andrezac@furb.br


Marcia Regina Selpa Heinzle


Fundação Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, SC, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-2299-8065


Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2012). Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Fundação Universidade Regional de Blumenau. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Superior. E-mail: selpa@furb.br


Contribuição na elaboração do texto: os autores contribuíram igualmente na elaboração do manuscrito


Resumen


Se trata de un estudio comparativo de Políticas de Internacionalización (PI) de dos universidades públicas brasileñas: la Universidad de la Integración Latinoamericana (UNILA) y la Universidad Federal del ABC (UFABC). El análisis se realizó utilizando el ciclo de políticas de Ball. En lo que respecta a la UNILA, se observaron estrategias para la integración regional solidaria, caracterizadas por la Cooperación Sur-Sur (CSS). En el caso de la UFABC, se evidenció una regulación de capital y control para alcanzar los niveles requeridos por el escenario mundial. Aunque las políticas presentaron perspectivas diferentes, ambas indicaron estrategias de internacionalización de la Educación Superior (ES) para el sur global.


Palabras clave: Investigación comparada. Educación universitaria. Políticas de internacionalización.




Abstract


This is a comparative study of Internationalization Policies (IP) in two Brazilian public universities: the University of Latin American Integration (UNILA) and the Federal University of ABC (UFABC). The analysis was conducted using Ball's policy cycle. Regarding UNILA, strategies for regional integration based on South-South Cooperation (SSC) were identified. On the other hand, UFABC demonstrated a focus on capital regulation and control to meet the requirements of the global context. Despite their distinct perspectives, both policies indicated strategies for Internationalizing Higher (IH) education in the global south.


Keywords: Comparative research. Higher education. Internationalization policies.



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Referência completa (APA): Watanabe, M., Cipriani, A., & Heinzle, M. R. S. (2023). Políticas de internacionalização da educação superior: contribuições para o contexto sul-sul. Linhas Críticas, 29, e47602. https://doi.org/10.26512/lc29202347602

Referência completa (ABNT): WATANABE, M.; CIPRIANI, A.; HEINZLE, M. R. S. Políticas de internacionalização da educação superior: contribuições para o contexto sul-sul. Linhas Críticas, 29, e47602, 2023. DOI: https://doi.org/10.26512/lc29202347602

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1Não há menção para o prazo final, término, da política.

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